segunda-feira, agosto 02, 2010

E quem se lembra dos pássaros nos seus momentos de solidão?

As pessoas... ai as pessoas quão felizes elas são!
Quantos pássaros chilreiam, observando-as térreas de euforia:
- Não têm asas, são felizes, habitam em gaiolas, são felizes!
Os pássaros sentem as balas que lhes seivam as vidas e sorriem, trocistas, segundos antes de uma morte simples os cercar:
- Os caçadores são mais do que a caça, pequenos humanos alegres em vias de extinção.

Cá para mim, apenas me dou com pássaros livres e conscientes de que “na vida a questão mais importante é a morte, e nem sequer esta tem muita importância(*). Quem saberá qual andorinha era aquela que fazia um ninho na beira do telhado e em que aldeia do Portugal profundo?

Tal como uma pequena ave, de futuro ninguém se recordará de quem eu fui, amei, rejeitei, magoei, perdoei, me esqueceu ou quem não esteve presente nos momentos em que mais precisei. Assim, tive que aprender a ser livre, a não ter medo de sozinha sair do ninho, independentemente das balas que me poderiam ferir gravemente; aprendi que os outros nem sempre estão disponíveis para me apoiar nos caminhos atribulados que me levam até ao fim. Simplesmente aprendi a voar e a ser melhor estratega, sem receio de espingardas. Não obstante todo este processo de aprendizagem, jamais esquecerei quem ainda pertence à minha curta existência, mesmo quando se encontram longe, provavelmente, em outros processos de autonomia.

Não sou Deus, não julgo ninguém. Sou como um simples pássaro, pecador, que da vida faz troça. Se não fordes como eu, atirai as pedras que pretenderdes. De qualquer modo, o meu fim já esta traçado.
(*) Ditado popular, de origem escandinava
Ass: Ana Teresa Pinto Lousada

terça-feira, abril 27, 2010

A "Ternura", recitada para o infinito!

"Ternura" - - Plamen Temelkov
"Ternura
Desvio dos teus ombros o lençol,
que é feito de ternura amarrotada,
da frescura que vem depois do sol,
quando do sol não vem mais nada...
Olho a roupa no chão: que tempestade!
Há restos de ternura pelo meio,
como vultos perdidos na cidade
onde uma tempestade sobreveio...
Começas a vestir-te, lentamente,
e é ternura que também vou vestindo,
para enfrentar lá fora aquela gente
que da nossa ternura anda sorrindo...
Mas ninguém sonha a pressa com que nós
a despimos quando estamos sós!"
David Mourão Ferreira, 1927

domingo, março 28, 2010

O que é isto que eu sinto?

"O que é isto que eu sinto? Deve haver uma ligação entre o que vejo e o que eu sinto. Mas o que vejo deixa-me perplexa e intrigada, porque não sei ao certo o que vejo. Verei exactamente o que estou a ver? Porque se assim é, então não posso olhar mais. Não estou segura do que devo sentir. Será que devia sentir alguma coisa? Talvez seja esta a melhor maneira de perguntar isto. Sabem, com certeza, que se pode sobreviver sem imagens, mas que a vida é impossível sem acontecimentos e sem impressões. É capaz de ser por isso que nos mostram constantemente acontecimentos, que não têm outro valor se não o de serem mostrados".
Luísa Costa Gomes, "Olhos verdes", 1994

segunda-feira, fevereiro 01, 2010

De uma alma inadaptada, diluída em amizade pura:

Aprendi que confortavelmente me sento e me purifico entre os amigos que, por instantes, quebram a minha apatia, consequência de sucessivas revoluções internas.
Experienciei nestes últimos anos que pouco mais se assume relevante na continuidade da minha existência física.
Vocês, meus queridos Amigos, são como as estrelas que nitidamente brilham num nocturno cenário transmontano.
30/01/2010
Ana Teresa Pinto Lousada

sábado, setembro 05, 2009

A ilha encantada

Vivo numa ilha em que todos os seres humanos que me são próximos se extinguem a cada estação que passa.

Outrora aqui residia uma diversidade de gente real e imaginária em harmonia e sintonia e eu deambulava por todos os verdes cantos na primavera e no outono procurava folhas caducas que serviriam de molde para dar vida a um papel branco, o qual ansiosamente apelava à dádiva da cor, significado, sentido e representação. Distraída com tamanhas tarefas, perdia-me no tempo e a vida fluía na minha ilha multicolor.

Pintava arcos-íris, casas sem lareira, onde alegremente coexistiam chaminés que orgulhosamente expeliam sinais de fumo; pintava muitas árvores, flores e o sol a sorrir para todos os autóctones daquele fantástico lugar e, mais ainda, desenhava o meu amigo imaginário com o qual brincava quando os meus vizinhos se encontravam ocupados. Era assim que a alegria fluía na minha ilha multicolor.

Todos os habitantes possuíam uma função. Os adultos procuravam alimentos sempre com um sorriso porque nós, crianças, por si geradas, embelezávamos as suas vidas com as nossas correrias e gritarias estridentes. Bastava querer e todo o nossa imaginação transbordava para a vida real, sendo a metamorfose assente na real felicidade. Era esse o labor de toda gente que pretendesse ser criança e, assim, o amor fluía na minha ilha multicolor.

Excluídos não existiam, porque a ilha proporcionava o entendimento entre todos os que nela habitavam e, com esse efeito, a compreensão fluía na mina ilha multicolor.

Era perfeito este lugar onde o fantástico e o real eram no fundo o complemento um do outro. Terá sido algum deus que na minha mente delineou este cenário edénico? Fui crescendo e alguns dos nossos rendiam-se à material evolução; exploravam lugares onde aparentava emergir a vida facilitada, enquanto eu aqui permanecia, sentindo, penosamente, a partida para outros locais dos meus queridos amigos reais, nos quais os seus pais construíam casas onde chaminés só faziam sentido se houvesse uma lareira por capricho.

Por esses e outros episódios, cada vez mais frequentes, acordei para a vida bela e limitada em que as pessoas morriam, mesmo que eu gostasse muito delas e o meu amor não as salvava, simplesmente de nada valia. Por que razão tinha eu de ficar sem os meus entes que construíram a felicidade na minha ilha? Foi então que descobri a preocupação instalada no meu coração: a vida, a alegria, o amor e a compreensão esmorecem sempre que alguém parte e outros receiam a aventura por lugares sombrios ou desérticos, em que outrora mil cores brilharam.

Assim se encontra isolado este belo lugar desencantado, onde os seus habitantes cada vez mais raros se perdem entre recordações de tempos idos. O real não coexiste com o fenomenal e o sangue nas veias seca, assim como os rios nos seus leitos, ávidos de frescura.

Ana Teresa Pinto Lousada

domingo, agosto 30, 2009

Um belo sonho

"Nas suas lágrimas sentia que lhe sucederia agora o que de mais belo pode acontecer a alguém e, ao procurar meditar sobre isso, soube claramente que seria o amor, mas não podia concebê-lo exactamente e acabou por ter o sentimento de que o amor seria como a morte, que seria uma realização e um crepúsculo, aos quais nada mais deveria seguir-se".

Excerto do conto de Hermann Hesse: "Um belo sonho" (1913)

sábado, agosto 01, 2009

O vale do desassossego

"Houve outrora um vale silente
Onde não morava gente;
Tinham ido pelejar,
Confiando ao céu estelar
Em seus nocturnos esplendores
A vigilância das flores,
E nelas durante o dia
O Sol rubro se estendia.
Agora, quem quer que o visite
Acha um vale insone e triste.
Nada tem que não se agite,
Salvo o ar, tão taciturno.
Sobre o feitiço nocturno.
Ah, nenhum vento move aqueles ramos
Que raivam, com os frios oceanos
Pelas Hébridas nubladas!
Ah, nenhum vento move as nuvens pardas
Que roçagam pelo céu em tropelia,
De manhã ao fim do dia,
Sobre as violetas deitadas
Tais pupilas variegadas...
Sobre os lírios, que assenam e assomam
E choram túmulos sem nome!
Acenam das corolas, tão fragantes,
Escorrem gotas de orvalho incessantes.
Choram: e dos seus caules, tenros, frágeis,
Corre um pranto de gemas infindáveis".

Edgar Allan Poe

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