segunda-feira, junho 09, 2008

Todo o verbo pressupõe um início

Eis que chegou o dia em que matei Maria Joana. Algo de imperceptível me sussurrou ao ouvido antes de morrer. Pedi-lhe que repetisse o que me era dito. Uma vez mais não compreendi, olhei-a nos olhos, aguardando o termo da sua vida, e entre nós estabeleceu-se um pacto. A dor de a ter assassinado foi substituída por uma estranha sensação de harmonia. O brilho do seu olhar percorreu-me, com um arrepio, encadeou-me, quase juro que a vi sorrir um segundo após o último impulso de vida. Inspirei longamente o ar gélido que se fez sentir, enquanto reflectia sobre a melhor forma de fazer desaparecer aquele corpo ainda morno. Contemplei-lhe o rosto até adormecer ao seu lado. Impossível nunca me ter apercebido da sua perfeição. O ódio cegou-me até à mais profunda existência do meu ser.

Matei-te, Joana e invade-me uma pacificidade inexplicável. O ódio foi o meu único sentimento verdadeiro. Depositei-o em ti, como se fosses a responsável por toda a minha revolta interior face ao universo. Lembras-te de que julgávamos ser capazes de afastar trevas? A escuridão venceu-nos, perdemo-nos um do outro, a partir do momento em que deixámos escapar sonhos e sorrisos. Adormeço em teus braços já mortos e, uma vez mais, deixo-te habitar em mim.

Sonho contigo. Regresso à minha infância e assola-me aquele sentimento, como quando me via perante um gato selvagem. Chamava-o carinhosamente, esforçava-me por convencê-lo sobre o meu intuito em lhe fazer festinhas, ao invés de cruéis judiarias. Passo a passo tentava aproximar-se, muito devagarinho esticava o meu braço, o mais que podia, com a esperança de não o assustar. Por mais cuidadoso que fosse, os bichos acabavam sempre por fugir e em mim instalava-se o sentimento de frustração, por não ter conseguido comunicar com aqueles seres rebeldes. Na minha mente surgiam as primeiras dúvidas: “se sou tão cuidadoso porque me foge aquele gato”? Canalizei este sentimento na relação com os meus semelhantes e, progressivamente, cultivei o ódio por todos aqueles que de mim se afastavam. Encontrei-te num dia em que tentavas aproximar de um gato e logo me identifiquei.

Porque é que te odiei, Maria Joana? Sabes que todo o verbo pressupõe um início. A génese do verbo Odiar está na incapacidade de interagir com felinos.
(continua...)
Ana Teresa Pinto Lousada

2 Comments:

Blogger Nuno Caçote said...

Acho que o problema em escrever uma história desta maneira, é que queria ler mais um pouquinho...mas não há:(!
Gosto da maneira como descreves emoções. Talvez possas esticar o texto através de algumas analogias com essas emoções.

10 junho, 2008 00:19  
Blogger Blad3 said...

Eh pah adorei!
Acredita que estou sem palavras!
Quero mais! bahh isto é cm ler 1 livro de mistério e esperar pela proxima ediçao! assim n da >.<
Bjos

12 junho, 2008 01:27  

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