segunda-feira, março 06, 2006

O Direito de Ser Criança

Todas as crianças com mais de cinco anos têm direito a desabafar.
Todas as crianças até aos onze ou doze anos têm direito a andar grátis no Carrocel quando estão de férias.
Todas as crianças que andam na Escola têm direito a serem alegres, terem amigos e a brincarem com os outros. Têm o direito a ter uma Professora que não grite com elas.
Todas as crianças têm direito a ver o Mar verdadeiro, especialmente em dia de maré vazia.
Todas as crianças têm direito a, pelo menos uma vez na vida, escolher um chocolate que lhes apeteça.
Todas as crianças têm direito a terem orgulho na sua existência.
Todas as crianças têm direito a pensar e a sentir como lhes manda o coração, até serem velhas, aí com uns vinte anos.
Todas as crianças têm direito a terem em casa o Pai e a Mãe, os irmãos (se houver) e a comida. Se o Pai e a Mãe não conseguirem viver juntos têm direito a que cada um deles respeite o outro.
Todas as crianças têm direito a deitarem-se no chão para ver as nuvens passar, imaginando formas de todos os bichos do Mundo combinadas com as coisas que quiserem (por exemplo, um cão a andar de patins ou uma girafa de orelhas compridas).
Todas as crianças têm direito a começar uma colecção não interessa de quê.
Todas as crianças têm direito a chupar o dedo indicador que espetaram num bolo acabado de fazer ou então a lamber a colher com que raparam a taça em que ele foi feito.
Todas as crianças têm direito a tentarem manter-se acordadas até tarde numa noite de Verão, na esperança de ver uma estrela cadente e pedirem três desejos (a justiça devia acontecer sempre pelo menos um).
Todas as crianças têm direito a comer a fatia do meio das torradas de pão partidas em três.
Todas as crianças têm direito a escrever ou a falar uma linguagem inventada por elas (ou que julgam inventada por elas), como por exemplo a linguagem dos pés: “apa linpingupuaoagempem dospos pêspês”.
Todas as crianças têm direito a imaginar o que vão querer fazer quando forem grandes e a perguntar aos adultos «o que queres fazer quando fores pequenino?»
Todas as crianças têm direito a dormir numa cama sua, sentindo o cheiro a roupa lavada, e a um terem espaço próprio na casa, pelo menos a partir do ano de idade.
Todas as crianças têm direito a passear na rua tentando pisar apenas o empedrado branco (ou só o preto); em opção, têm direito a fazer uma viagem contando quantos carros vermelhos passam na faixa contrária.
Todas as crianças meninos têm o direito a, pelo menos uma vez na vida, perguntar a uma menina «queres ser minha namorada?» e todas as crianças meninas têm direito a, pelo menos uma vez na vida, responder «sim, quero».
Todas as crianças têm direito a ouvir um adulto contar pelo menos uma destas histórias: Peter Pan, O Principezinho ou O Príncipe Feliz.
Todas as crianças têm direito a ter alegria suficiente para imaginar coisas boas antes de dormirem e depois, a sonharem com elas.
Todas as crianças têm direito a ter um boneco de peluche preferido, especialmente quando velho, já lavado e mesmo com um olho a menos.
Todas as crianças (especialmente se já adolescentes) têm direito a usar ténis preferidos, mesmo que rotos e com cheiro tóxico.
Todas as crianças têm direito a poder tomar banho sozinhas e a experimentar mergulhar na banheira contando o tempo que aguentam sem respirar.
Todas as crianças têm direito a jogar aos polícias e ladrões, preferindo inevitavelmente serem ladrões.
Todas as crianças têm direito a terem um colo onde se possam sentar, enroscar como numa concha e receber mimos.
Todas as crianças têm direito a nascerem iguais em direitos.
Todas as crianças têm direito a conhecer o sítio onde nasceram e a visitá-lo livremente.
Todas as crianças têm direito a não ficarem sozinhas a chorar.
Todas as crianças têm direito a viver num País que tenha um Ministério da Infância e da Juventude, que olhe verdadeiramente pelo seu crescimento afectivo e bem-estar interior (sem preconceitos adultocêntricos ou hipocrisias com ares de cromo abrilhantado).
Todas as crianças têm direito a acreditar que têm um adulto que olha por elas e as ama sem condição prévia (nem que seja Nosso Senhor).
Todas as crianças têm direito a viver felizes e a ter paz nos pensamentos e sentimentos.”

Pedro Strecht, Crescer Vazio, 1997

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

todos temos direito a voltarmos a ser crianças
direito não,dever...
e repousar nos colos imensos de nossas mães
se um dia a juventude voltasse
na pele das serpentes atravessaria toda a memória,
com a lingua em teus cabelos dormiria em sossego,
da noite transformada em pássaro de lume cortante,
como a navalha de vidro que nos sinaliza a vida
mas se a juventude viesse novamente do fundo de mim,
com as suas raizes de escamas em forma de coração.
e me chegasse á boca a sombra desses colos esquecidos,
pegaria sem hesitações no leme do frágil barco...eu
humilde e cansado piloto,que só de te sonhar,(infância)morro de aflição...e regressaria por um minuto a chorar para o colo de minha mãe,
e cairia no esquecimento do que seria se perdesse a juventude...
titus

06 março, 2006 23:12  

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